Re-descobrir uma paixão.


ph: pexels


Existe um momento, entre o bater do coração e o som do vento a passar pelas folhas. Quando uma brisa nos toca de forma nostálgica e é como se do nada tudo voltasse a fazer sentido. 

Tinha treze anos quando a minha mãe me obrigou a ler o meu primeiro livro nas férias de verão. Saiu em tom de ameaça "quero que leias isto até terminares as férias, ou..." não me consigo lembrar do "ou", mas não foi necessário.  

"O Voo do Dragão" de Anne Mccaffrey. Possivelmente um pouco à frente para a minha idade na altura, não me lembro quase nada dele, só que gostei. Gostei tanto que obriguei os meus avós a leveram-me ao Continente porque queria mais um livro para ler! 

A Filha dos Mundos de Inês Botelho, veio ele, terminei e peguei na continuação. E no espaço de duas semanaas a pequena pré-adolescente tinha devorado quatro livros. Sedenta para quando chegasse a casa conseguisse roubar mais alguns à sua mãe. 

Ler tornou-se praticamente essencial a minha adolescência inteira,  de Twilight a todo outros tipos de vampiros, algumas fadas estranhas pelo caminho. O meu recém descoberto amor por Austen e a suas histórias de amor. 

Ler arruinou a carteira de muitos famílias, mas encheu a minha mente com muita coisa. 

Até ao dia que não me deixou mais feliz. 

Tinha vinte e um, acordei e via a dobrar. Não era uma enxaqueca, porque ela nunca chegou a acontecer. Mas foram anos e anos a tentar compreender um problema que me assustava. Tinha perdido toda a capacidade de fazer uma das minhas atividades favoritas e não existia nada mais deplorável que isso.

Depois de melhorar, de encontrarmos o problema e o resolvermos. Lwe nunca mais foi a mesma coisa. Era uma memória dolorosa de um acontecimento que me marcou de uma maneira tão trágica que até hoje a minha personalidade não é a mesma. 

Ler doía, doía-me nos ossos que nunca tiveram um problema. Doía-me no coração que sempre se manteve mais ou menos esperançoso. Doía no cheiro bom que um livro tem, no barulho das folhas a passar. Ler doía. E só o fazia quando eram textos para a faculdade. 

Ocasionalmente peguei em algum romance para ler durante as férias de verão, aquela tradição que se manteve desde os treze anos. Mas era apenas um livro lido a custo durante duas semanas. Era apenas um livro por ano. Era apenas a minha tentativa de permanecer fiel a algo que me tinha salvado de tanto enquanto crescia. 

Dois mil e vinte veio, e com ele compras de alguns livros que nunca cheguei a pegar. Até a minha escritora favorita lançou coisas novas e eu ainda as tenho por comprar. Não estava okay e não sabia se alguma vez conseguiria estar.

O que é estranho, ler fanficition não tinha o mesmo impacto que pegar num livro tinha na minha ansiedade. Estava confusa e frustrada, mas foi algo que coloquei de lado, focando-me em outras coisas que precisavam urgentemente da minha atenção. 

Este ano, a Rafa apareceu com a ideia louca de fazermos um blogue. As duas e as três, como tinhamos feito no passado. Mas desta vez sobre coisas que realmente amavamos. Livros, nerd, jogos, filmes, cozinhar e coisas que eram inteiramente nós e os nossos temas de conversa. Alinhamos e quando dei por mim estava novamente inserida num mundo que tinha parcialmente abandonado.

O interesse profundo da Rafa pelo booktube fez-me re-ver videos das pessoas que eu mais gostava, encontrar outras pelo caminho e decidir enfrentar o meu trauma de outra maneira. Atravez de um desafio, porque eu sempre fui teimosa e faria o meu melhor para terminar algo se me desafiasse a tal. 

E assim nasceu Junho e as 50 páginas por dia. 50 páginas que viraram mais livros em semanas que tinha lido em anos. Livros bons e livros maus. Livros que me frustraram, que me fizeram juras e outros que me fizeram querer apaixonar (sim, a infelicidade de ser influenciada pelo sentimento de um  livro) 

Foi entre um suspiro e a brisa a bater solenemente na minha pele que compreendi. Estava apaixonada, e melhor que uma primeira vez, estava novamente apaixonada. Pelas folhas, pelo cheiro, pelo botão do tablet quando mudava de página de e-book. 

Estou apaixonada, e desta vez, não tenho vontade de desistir.

You Might Also Like

0 comments